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Patrimônio Cultural, Tombamento e o Direito Administrativo: Edifício Sede da Cruz Vermelha

Edifício sede da Cruz Vermelha - Rio de Janeiro

A presente publicação replica o artigo contido na página da EduCriativa no Linkedin.

Por Leandro Henrique Magalhães

Este texto trata de um processo de tombamento, que teve sua primeira etapa concluída pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O processo de tombamento refere-se ao edifício sede da Cruz Vermelha, localizado na região central da cidade do Rio de Janeiro. Vale ressaltar que o processo só continuou graças à propositura de ação civil pública, impetrada pelo Ministério Público Federal (MPF).

A partir do tombamento provisório, o Edifício Sede da Cruz Vermelha Brasileira passa a gozar de proteção federal, por meio do Iphan, contra quaisquer tipos de destruição, demolição ou mutilação, não podendo, também, sofrer qualquer tipo de restauração ou modificação sem a prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nos termos do Decreto-Lei nº 25 de 30 de novembro de 1937.

Neste caso, o instituto jurídico dado pela doutrina do direito administrativo para que haja intervenção do Estado na propriedade privada, considerando sua função social, é o tombamento.

Quando tratamos de tombamento, estamos falando de um Patrimônio Cultural que, de acordo com o Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937.

De acordo com o Decreto, o Patrimônio Cultural é definido como um conjunto de bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação é de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. São também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou criados pela indústria humana (IPHAN, 2022).

O tombamento pode assim ser entendido como uma forma de implementar a função social de uma propriedade, considerando sua importância para a memória e a identidade de um localidade, povo, região, país ou até mesmo mundial. Com este instrumento, busca-se a proteção da propriedade, que passa a ter um interesse e uma função social que vai além do privado. Busca assim garantir os interesses tanto individuais como sociais da propriedade.

No parecer técnico que concluiu pelo tombamento provisório do prédio, o Iphan registra que a Cruz Vermelha carrega em seu histórico:

 

“a luta pela garantia dos direitos humanos, no contexto de uma articulação internacional voltada ao estabelecimento de condições mínimas de humanidade diante das atrocidades que a sociedade foi capaz de criar. O símbolo que representa esse esforço está esculpido no coroamento da cúpula da edificação, na própria cruz vermelha em fundo branco, o que estabelece uma capacidade de interpretação imediata com essa história”. O parecer também registra “a qualidade arquitetônica, destacadamente, das fachadas, da volumetria e do hall do edifício-sede da Cruz Vermelha, mas por outro lado, a descaracterização de diversos espaços e materiais de revestimento que lhe retiraram a integridade arquitetônica internamente”.

 

O tombamento, apesar de medida restritiva, não retira do proprietário do Bem Cultural o direito ao uso do mesmo, desde que respeitando os elementos constitutivos do mesmo, garantindo sua proteção. Assim, é possível que um prédio comercial ou um mercado municipal, por exemplo, seja tombado como Patrimônio Cultural, sendo exigido a manutenção de determinadas características do prédio, sem que o mesmo deixe de ser utilizado pelo proprietário, e que o mesmo usufrua de seus frutos. No entanto, por se caracterizar como bem cultural, e que se vincula a identidades e memórias e coletiva, o usufruto do bem é ampliado, mesmo que o uso comunitário seja contemplativo ou histórico.

Este é o caso aqui apresentado, em que o tombamento garante o usufruto coletivo do Edifício Sede da Cruz Vermelha, considerando sua importância para a história da ciência brasileira e o diferencial arquitetônico do prédio.

Vale ressaltar que a responsabilidade pela conservação, manutenção e restauro dos bens tombados é do proprietário, podendo haver incentivos por parte do poder público.

O tombamento de um bem está intimamente vinculado a sua importância para dada comunidade, sendo este considerado um Bem Cultural, com a fruição do patrimônio constituindo-se como direito fundamental:

 

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 198

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

I defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;

 

O Patrimônio Cultural estaria ainda no âmbito do direito difuso, ao atuar na preservação da memória, identidades e valores. Assim, os proprietários de bens culturais devem considerar a função social do mesmo, assumindo obrigações de cuidado, defesa, reparo e preservação.

O Superior Tribunal de Justiça consolidou este assunto (REsp 1.791.098; Processo 2019/0004998-3; RJ; 2ª Turma; relator ministro Herman Benjamin; julgamento 23/04/2019), ao definir uma terminologia para a função social da propriedade, no que se refere ao patrimônio cultural, ou seja, “função memorativa do direito de propriedade”:

 

A proteção do patrimônio histórico-cultural, bem da Nação, é direito de todos e dever do proprietário e do Estado. Não se trata de modismo fortuito ou mero favor vanguardista em benefício da coletividade, mas de ônus inerente ao âmago do domínio e da posse em si, inafastável condição absoluta para sua legitimidade e reconhecimento pelo ordenamento jurídico. Com base nessa obrigação primária, decorrente da função memorativa do direito de propriedade, incumbe ao Estado instituir, in concreto, eficaz regime de limitações administrativas, portador de obrigações secundárias ou derivadas, utilizando-se, para tanto, de instrumentos variados, entre os quais o tombamento.

Ou seja, uma das funções sociais dos Bens Culturais é ser portadora de referência a identidade e a memória, tanto para as gerações atuais, como futuras.

O tombamento pode ser entendido como um ato administrativo pelo qual o Poder Público estabelece restrições aos bens, visando sua conservação e considerando seu interesse público, limitando o exercício pleno do direito de propriedade. No entanto,estes limites não impedem que o proprietário exerça domínio sobre a coisa. Caso o tombamento possa implicar uma restrição total de seu direito, cabe a desapropriação do bem.

 

Leandro Henrique Magalhães é sócio-fundador da EduCriativa. Possui formação na área de História, Pedagogia e Teologia, com especializações e experiência na área de Educação a Distância e Designer Instrucional. Atua na área de Patrimônio Cultural, tendo projeto premiado pelo IPHAN, com interface com o Turismo. Ocupou diversas funções em conselhos municipais e estaduais vinculados as áreas de ciência tecnologia, turismo, cultura e patrimônio cultural. Atualmente é presidente do Fórum Desenvolve Londrina, docente do Centro Universitário Filadélfia – UniFil e sócio proprietário da EduCriativa.

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