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Por Caio Cesaro
Nos passos do NBA Top Shots, a indústria audiovisual e cinematográfica deve registrar NFTs (non-fungible tokens) de clipes audiovisuais de filmes de sucesso – um suprimento lógico e quase infinito de conteúdo. Imagine você ter alguns poucos segundos de qualquer filme dos Vingadores (Marvel) para chamar de seu. Ou então aquela cena especial de Casablanca (Warner Brothers), de Cidadão Kane (RKO), ou de E o Vento Levou (Metro-Goldwyn-Mayer)… Sem falar nos Star Wars (Lucasfilm), Senhor dos Aneis (New Line Cinema), Harry Potter (Warner Bros. Pictures)… Bem, esta lista vai longe.
Isso deve tornar-se realidade muito em breve. Ou seja, se você como eu é alguém que gosta desse universo cinematográfico, aconselho desde já guardar algum dinheiro para quem sabe, em breve, poder dizer que é dono de algum trecho dos grandes filmes da história.
Uma das características de um NFT é conter a descrição do ativo e os direitos que carrega sobre o ativo que se refere. Neste sentido, para o caso dos clipes, provavelmente o comprador do NFT não possuirá direitos de exploração comercial do conteúdo audiovisual do clipe. Mas esse NFT poderá ser revendido em mercados secundários de NFT. Talvez, o exemplo mais simples para o entendimento desta questão é comparar a quando você comprava um blu-ray de um filme. Aquele blu-ray tornava-se seu. Você podia revendê-lo. Mas quanto ao filme que estava dentro, você não tinha permissão para vender cópias ou fazer qualquer outro tipo de exploração comercial.
– Algumas questões a serem consideradas
Os NFTs abrem uma série de possibilidades para a indústria audiovisual e cinematográfica. No entanto, como todo novo uso ou nova forma de exploração sobre um ativo, é preciso ser considerado o tempo de adaptação, de ajustamento das condições operacionais e legais para que esse novo uso ou nova forma de exploração possa ser viabilizado.
No caso dos filmes, apresento algumas questões:
1) a produtora possui os direitos do clipe; ou seja, continua proprietária da obra audiovisual ou já a licenciou para terceiros?
2) pelos contratos celebrados com o elenco é possível entender que há a autorização para a comercialização de NFTs de clipes do filme? Quero dizer, no contrato com os atores é previsto à produtora o direito de clipe?
3) tal condição, porém, não se restringe ao elenco. Também deverá ser verificada em relação ao diretor, ao roteirista, ao diretor de fotografia, proprietários dos direitos autorais da música tanto escrita quanto gravada (se o clipe conter música) e assim por diante, entre todos os que participaram do trecho de imagens e sons, que se tornaram o clipe e que estão cobertos por lei de direitos de autor.
Quanto aos tópicos 2 e 3, acredito que a tendência é, de agora em diante, que as produtoras prevejam tais situações para os novos filmes.
Sobre os filmes de estoque, ou seja, aqueles que já foram produzidos, na eventualidade de se querer explorar as novas oportunidades proporcionadas pelo NFT, entendo que será necessário obter o consentimento expresso de todos esses participantes do processo e pagar uma taxa mínima de reutilização.
Parece complicado, mas não é. Num futuro breve, a questão do NFT será apenas mais uma cláusula no contrato assinado entre prestador de serviço e produtora, dentro do processo de realização de um filme. E, é algo que pode criar diversas novas oportunidades de trabalho e de receita.
– NFTs: + filmes + receitas + perto do público
Para aqueles que amam filmes, parece uma nova e empolgante maneira de se envolver com o processo. Para o mercado audiovisual, os NFTs representam efetivamente a oportunidade de um novo fluxo de receita e de aprofundar o envolvimento do filme com o seu público.
Neste sentido, a seguir, procurei desenvolver ideias sobre formas de utilização dos NFTs no ambiente da indústria audiovisual:
1) financiamento do filme:
a) investidores de NFT: acreditam que tais NFTs terão valorização a partir do lançado do filme; e que ganharão com a revenda em mercados secundários;
b) colaborativo / crowdfunding: as pessoas comprar os NFTs para ajudar um projeto de filme tornar-se realidade; algum tipo de contrapartida é prevista a esses adquirentes; esse perfil de investidor também ganha na eventual valorização da NFT;
c) investidores do filme: NFTs representam cotas que gerarão direitos sobre as receitas e/ou lucros quando o filme for comercializado (que inclusive poderão ter participação em receitas /vendas de NFTs de clipes desse filme); mais uma vez, o ganho na eventual valorização da NFT se faz presente.
2) garantia de empréstimo de dinheiro em espécie:
a) a produtora poderá colocar como garantia de um financiamento a sua receita futura referente à comercialização de NFTs do filme. Funcionaria como uma espécie de adiantamento para acelerar a produção. Isso quando uma instituição financeira entender que os NFTs do filme constituem melhor garantia do que outras possibilidades que a produtora possa apresentar.
3) ampliação das receitas:
a) clipes: conversão de trechos do filme em clipes;
b) objetos do filme (digital e físico*): versão do roteiro, fotos de still, peças dos figurino, trechos das filmagens que não entraram na versão final do filme, etc;
c) outros suveniers ou especiais: pôsteres / cartazes, oportunidade de interagir com elenco e equipe técnica ou convites exclusivos para exibições e estreias dos filmes.
* No caso de NFT de objeto físico, a descrição do NFT poderá considerar o envio do item físico ao comprador.
4) mercado de trabalho:
Novas funções / atribuições: para adequar o produto audiovisual ao mercado NFT será preciso incorporar aos processos audiovisuais profissionais que entendam desse mercado.
Ao mesmo tempo que haverá mercado para a criação de marketplaces focados no nicho de filmes e/ou de outros tipos de produções audiovisuais, também estará aberto o mercado para a assessoria e / ou a consultoria para as produtoras e distribuidoras de filmes e / ou produções audiovisuais. Afinal, não se trata de simplesmente sair registrando tudo por meio de NFT. Tem que ter a estratégia de criação de valor. Tem que ter um método de como fazer. E isso certamente será um serviço que terá demanda.
5) royalties
No geral, é previsto que o criador recebe 10% das vendas futuras dos NFTs que lançou. Assim, as produtoras também terão essa receita potencial.
– Conclusão
É importante lembrar que, independente das modalidades acima descritas, qualquer NFT poderá ser transacionado em mercados secundários. Com o tempo e o amadurecimento do uso dos NFTs na produção audiovisual, prevejo efeitos correlacionados e numa ordem exponencial: aumentar as cifras que envolvem esse mercado audiovisual, fazer crescer o número de produções audiovisuais e ampliar a democratização da produção audiovisual (mais filmes poderão ser feitos e mais gente poderá fazer filmes); além tornar os fãs dos filmes personagens extremamente ativos neste processo. Ou seja, não há motivos para que a indústria audiovisual não participe também do mercado NFT.